Michel Mulat
Presidente da federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna - FIMEM
Não sou especialista, por isso deixarei os historiadores escrever a história da FIMEM e do Movimento Freinet internacional. Algumas referências chamaram, no entanto, minha atenção. Mas queria começar homenageando o formidável pesquisador que foi Henri Portier e que nos deixou este ano. Graças a ele, temos, entre outros, os nomes de todas as pessoas no mundo que declararam serem pedagogos Freinet desde as origens. Sabemos assim que o movimento internacional já existia de maneira firme nos anos 1930, com militantes em todos os continentes: várias turmas em Nanquim, mais de 45 na União Soviética (entre as quais uma na Chechênia), classes tanto no Congo como na Bulgária, na Polônia, nos Estados Unidos, classes na Argentina e no Vietnam, mais de 20 representantes na Inglaterra, na Itália, na Alemanha, na Espanha... não os citarei todos, já que vocês poderão encontrar esta lista, que estamos reconstituindo, no próprio site da FIMEM.
Foi em 1957, há cinqüenta anos atrás, que o Congresso de Nantes votou, ao mesmo tempo, a criação da Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna e a Carta da Criança que levará ao reconhecimento mundial dos Direitos da Criança.
A este congresso foram convidadas numerosas delegações, oriundas do mundo inteiro: Europa, África, Extremo Oriente, América do Sul. Mas já surgiam dificuldades que não pararíamos mais de encontrar. Os feriados escolares de uns não coincidiam com os dos demais, os do Leste europeu não obtiveram visto, outros não conseguiram recolher o dinheiro necessário ao financiamento das suas passagens. A solidariedade se revelou logo indispensável para organizar encontros internacionais.
Não mais do que de repente, o movimento Freinet tinha se aberto ao mundo, considerando sempre que a prática pedagógica não devia nunca fazer abstração das condições políticas, econômicas e culturais locais. No entanto, seria necessário esperar o final dos anos 80 para que a Federação conseguisse emancipar-se do movimento francês. Este tinha conservado prerrogativas ao atribuir-se o comando do Conselho de Administração da FIMEM. A própria revista L´Educateur, até os anos 70, mal conseguia deixar de transparecer seu etnocentrismo... Os pais sempre têm dificuldade em aceitar que um dia seus filhos possam voar com as próprias asas. Será que eles vão manter a boa direção? Não vão transformar nossas idéias? Será que respeitarão aqueles que lutaram contra os diversos fascismos? Contra o obscurantismo religioso? A Carta esta aí para garantir a filosofia que deve ser a de todos, mas uma Carta também envelhece, ela reflete a realidade política dos que a adotaram e pode não corresponder mais à da nova geração. Nossas culturas são diferentes. Embora os mais velhos possam deplorá-lo, nem sempre temos a mesma visão das relações entre política e educação, entre a escola e as igrejas, entre o privado e o público. Nem todas as línguas podem traduzir o sentido da palavra “laicidade” embora a realidade que ela descreve continue sendo a própria base da pedagogia Freinet.
1957, como eu o sublinhava, é também o ponto de partida do reconhecimento dos Direitos da Criança. Não posso resignar-me a aceitar que a FIMEM seja, apenas, uma associação de professores. A escola não tem como papel recrutar. A escola deve permitir que cada criança possa desenvolver um espírito crítico para que se torne livre, livre de mover-se, livre de pensar. É preciso que cada uma receba uma informação suficiente para poder forjar o espírito crítico indispensável à sua sobrevivência de ser humano numa sociedade que só procura formatar os indivíduos.
Minha ambição, neste tempo muito curto que me é dado enquanto presidente desta Federação Internacional, busca duas direções:
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Em primeiro lugar, inserir numa rede o conjunto dos educadores (professores ou não) reunidos pelo nosso ideal, afim de que não sejam deixados à beira da estrada aqueles que não têm o dinheiro necessário para ir às RIDEF (Encontros Internacionais dos Educadores Freinet), oferecendo-lhes um acesso aos modernos meios de comunicação e dando-lhes a possibilidade de organizar Encontros com os vizinhos próximos. Façamos, entre cada RIDEF ou Congresso, mini-RIDEFs na América do Sul, na Europa, na África, na Ásia, etc.
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Minha segunda ambição é de colocar em rede os próprios educandos. Fazer com que as crianças possam comunicar, trabalhar juntas, sem nenhuma fronteira, em espaços comuns onde possam compartilhar, criar, com suas próprias diferenças. I have a dream... um sonho que – tenho certeza disso – não teriam renegado Elise e Célestin. E este sonho é de ver, um dia, em paralelo à FIMEM, uma FIJEM (Federação dos Jovens da Escola Moderna).
Mas, falemos agora do Brasil. É a segunda vez que venho a este país-continente. Minha primeira estadia me deu oportunidade de compreender o quanto é importante para vocês poder apresentar um movimento bastante poderoso, capaz de defender uma educação popular independente das seitas ou das pressões políticas cada vez mais presentes. Para isso, vocês precisam de um movimento forte, unificado, mas que permita a cada região, a cada grupo conservar sua originalidade e, talvez, sua autonomia.
O que deve ser nossa bandeira comum é a pedagogia Freinet.
Meus agradecimentos aos organizadores, à minha amiga Rosa Maria. Obrigado pelo convite que vocês me fizeram a participar deste ENEF