Documento Pedagógico
TEMA DA REUNIÃO
É possível imaginar e construir uma sociedade melhor se tentarmos olhar para as nossas cidades, para a nossa vida social de diferentes maneiras. O olhar infantil tem o potencial de ser "alternativo" porque incorpora os pontos de vista de todos aqueles que estão em perigo de ser excluídos da vida sócio-econômica e cultura (como os idosos, os deficientes, os migrantes, os pobres, etc.). O 30 ° encontro de educadores Freinet, portanto, propõe-se a direcionar, cada atividade formativa, de modo a que meninos e meninas possam participar da vida pública, o que significa serem reconhecidos e ouvidos enquanto sujeitos e cidadãos ativos em relação ao seu próprio direito, como recomenda a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança de 1989 (*)
A escola é um importante espaço de defesa e afirmação dos direitos da criança e do adolescente, mas convém sempre lembrar que, como diz um provérbio africano: “para educar uma criança é necessária uma aldeia inteira”, o que significa dizer que a tarefa educativa não se esgota nas salas de aula, mas diz respeito a qualquer momento, a qualquer lugar onde se desenvolva a vida social.
O encontro RIDEF, reunindo professores, educadores, administradores e associações de vários países do mundo, pode nos ajudar a focalizar as necessidades e os direitos da infância e da adolescência, de tal forma que possam andar de mãos dadas: por um lado, as crianças e adolescentes têm direito à plena liberdade de expressão e crítica; por outro lado, precisam da tutela da proteção e do acompanhamento em sua caminhada de crescimento e aprendizagem.
Portanto, todos nós podemos ser mais conscientes e convictos de que uma injustiça, uma discriminação, um obstáculo estabelecidos em relação a um menino ou a uma menina, a um rapaz ou uma moça, torna menos livres, independentes e cidadãos do mundo, todos os demais membros da sociedade.
A INFÂNCIA NO MUNDO DE HOJE
A Federação dos Movimentos de Escola Moderna, seguindo os princípios da pedagogia de Célestin Freinet sente-se comprometida em promover o crescimento de cada menino/a em todas as escolas do mundo, através da aprendizagem cooperativa, do desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia de pensamento. Um objetivo formativo só pode ser alcançado através da rejeição de qualquer discriminação ou condicionamento racial, linguístico, religioso, de gênero, político, econômico, cultural, social. Neste sentido, a tarefa da educação avança para além da sala de aula, objetivando investir e responsabilizar cada estrutura da comunidade social, para que cada menino/a possa adquirir o que Edgar Morin chama de "identidade terrestre".
CONDICIONAMENTOS E VIOLAÇÕES DOS DIREITOS
Durante o 30° RIDEF será dedicada atenção especial às novas tecnologias, que especialmente no mundo ocidental, estão transformando modos de pensar e de aprender, promovendo estilos de vida inéditos. O risco é que as novas ferramentas tecnológicas, cada vez mais cedo introduzidas no percurso de formação, possam alterar a naturalidade das experiências de crescimento, o conhecimento de si mesmo e do ambiente natural, as formas de comunicação interpessoal. Nós educadores acreditamos que as experiências virtuais tendem a se tornar um substituto para as experiências reais; e estamos preocupados que as leis do mercado possam levar a infância a um crescimento precoce, queimando etapas e propondo modelos “adultos”, que privariam as crianças do tempo das relações interpessoais e da liberdade de expressão.
No entanto, estamos conscientes de que muita atenção deve ser dada a outras formas de violação dos direitos que, apesar de serem antigas, ainda existem (e não apenas no Sul do mundo): 200 milhões de crianças trabalham em vez de sentarem-se na sala de aula; outras são forçadas a se tornarem soldados, e outras ainda, enfrentam chantagens e abusos, e estão sujeitas à exploração por parte do mundo adulto. Finalmente, outros/as, pertencentes a minorias étnicas, são desprezados e deixados à margem da vida cívil.
A ESCOLA COMO LUGAR DA PRÁTICA DOS DIREITOS, NO NORTE E NO SUL DO MUNDO
Os professores do Movimento Freinet convidam os educadores do Mundo para operar de modo que a escola, em primeiro lugar, possa ser transformada em um lugar de implementação prática dos direitos das crianças e em um observatório atento às situações em que esses direitos são negados. Não nos esqueçamos de que nas áreas do mundo mais desenvolvidas social e economicamente há muitas crianças imigrantes: A reunião RIDEF de Reggio Emilia pode ser uma oportunidade para que possamos entender não só as diferenças culturais, mas também as situações de privilégio que não permitem mais que nos mensuremos com a fadiga e as situações de privação.
PEDAGOGIA FREINET, DIREITO À PARTICIPAÇÃO; OS CONSELHOS D@S MENIN@S
Dos intercâmbios e encontros que serão realizados em Reggio Emilia queremos que seja lançado um forte apelo para o mundo escolar, os educadores e as instituições para que trabalhem juntos, para ampliação das formas de proteção de crianças e adolescentes e o desenvolvimento da democracia direta e participativa. Em particular, nós pensamos que podem ser configurados em cada cidade, os conselhos municipais d@s menin@s como uma forma de escuta e participação direta na vida da comunidade social, contra toda ótica de mercado que considera a educação como qualquer outra mercadoria quando, ao contrário, ela é um bem comum e um direito individual inalienável.
CONSTRUIR A CIDADE DE TOD@S
Nós pensamos que esta é a maneira de mudar, de reformar nossas cidades, adequando-as às crianças e adolescentes. Os espaços públicos hoje são construídos à medida dos adultos e determinam os ritmos fragmentários da vida: as relações são obscurecidas pela velocidade dos transportes; somente poucos têm contato direto com o meio ambiente. É por isso que as cidades devem ser repensadas e redesenhadas a partir da escuta das crianças, como acontece na experiência do projeto realizado pelo CNR (Conselho Nacional de Pesquisa) conduzida da F. Tonucci "na cidade das crianças”.
DA FRAGMENTAÇÃO PARA A NARRAÇÃO
A sociedade em que vivemos é líquida (Zygmund Bauman), ou seja, è privada de pontos estáveis de referência, e nela estamos, todos nós, adultos e crianças, direcionados a uma vida de ritmos sincopados, constantemente em risco de "nos perdermos" na fragmentação das nossas experiências de vida.
É uma situação que os educadores conhecem muito bem, porque podem lê-la nas histórias de seus alunos: combater esta tendência é fundamental para ajudar as crianças a aprenderem e crescerem juntas.
Para promover nas crianças a formação de uma identidade unitária e plural é importante desenvolver suas habilidades de representação e narração. A narrativa é essencial para a construção de conexões, redes de relações, histórias e contos. O desenvolvimento de habilidades narrativas pode consentir a leitura em maneira nova e diferente das regras de vida; pode permitir o redesenho da cidade sem ignorar as histórias vivas que perpassam o tecido urbano e seus habitantes; pode ajudar a desenvolver identidades originais e coletivas.
O ATRACADOURO DE ONDE PARTIR
Conscientes das limitações que a atenção à infância registra, também no nosso mundo, temos que lembrar algumas conquistas da escola e da sociedade civil em nosso país, de modo que as melhores experiências educacionais italianas possam fornecer, juntamente com outras, as informações e indicações sobre as estradas a empreender.
Pensamos:
- As leis sobre a integração de crianças com deficiência (Lei n. 517 de 1977);
- Os caminhos da integração de estrangeiros ("A trilha italiana para uma escola intercultural e a integração dos estudantes estrangeiros", elaborado pelo Observatório Nacional da Intercultura e da Integração do Ministério da Educação, em 2007);
- A criação da “escola média única” [V-VII série do ensino fundamental] 50 anos atrás (1962) e jardins de infância [educação infantil para criança de 3-4-5 anos] (1968);
- A difusão de escolas de tempo integral:
- A experiência de organização de creches e jardins de infância públicos e de qualidade, o mais famoso dos quais está localizado na cidade que irá nos hospedar (Reggio Children);
E, fora das instituições propriamente educativas, pensamos:
- As experiências exemplares e avançadas, como a de “Reggio Children” em matéria de atenção à infância e do reconhecimento da diversidade como uma oportunidade para programações diversificadas, reconhecendo as habilidades de tod@s;
- A muitas outras experiências, como a do Centro Educacional Italo-Suíço de Rimini;
- Aos projectos integrados entre as escolas e os territórios (em Pistoia, Turim, Bolonha, Veneza ...);
- Ao projeto internacional "A Cidade dos Meninos e das Meninas" do CNR, que deu impulso para projetar cidades e bairros adequados para meninos e meninas e a formas de representação de crianças e adolescentes nas instituições;
- Em situações educativas extracurriculares, como as que são geridas pelos Centros Educativos de Métodos de Ensino da Educação Ativa ou de Legambiente ou as Aldeias Educacionais propostas pela Casa- laboratório de Cenci.
Daqui podemos recomeçar apesar das dificuldades. Neste sentido, a 30° RIDEF visa: que os percursos formativos que surgem na escola, para serem eficazes, possam sair da escola; que os educadores e as educadoras, para além das paredes dos edifícios escolares, possam ser os criadores de um futuro melhor para todas as crianças do mundo.
NOTA (*) Principais direitos da infância e adolescência contidos na Convenção, compreendidos como metas de trabalho:
- Direito à vida, direito à saúde e ao bem estar psico-afetivo;
- Direito à educação, estudo, instrução (luta contra o abandono escolar precoce e contra as discriminações contra meninas e adolescentes);
- Direito a uma família, uma casa, um ambiente/comunidade acolhedor/a (projetos contra a segregação de imigrantes e/ou gestão da deterioração dos bairros das periferias);
- Direito à proteção contra a discriminação e às diferentes capacidades (projetos para a promoção de uma boa integração na escola, na vida social);
- Direito à proteção contra o abuso (projetos contra a prostituição infantil - especialmente do sexo feminino);
- Direito à proteção contra a exploração (projetos contra a evasão escolar, o trabalho infantil, a pobreza);
- Direito à proteção contra a guerra (projetos contra fenômenos como as "crianças soldados");
- Direito à sua própria identidade e cultura (projetos contra a marginalização dos ciganos Rom e Sinti, migrantes, minorias étnicas);
- Direito de expressão e ao jogo (projetos de criação de áreas de lazer, para combater o individualismo e /ou a solidão).
Também pensamos em outro conjunto de direitos universalmente ignorados, tais como:
- O direito à segurança (projetos para cidades vilas, aldeias seguras... promoção da autonomia dos menin@s, projetos com os pais para evitar a superproteção);
- O direito das crianças de serem informadas (art. 13 e 17);
- O direito de ser considerada parte da vida cultural e artística do território (artigo 31);
- O direito de proferir sua opinião e estar envolvida nas decisões que a afetam (artigo 12),
- O direito de se associar (artigo 15).